fonte: Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo
Nas fotos amareladas, algumas quase apagadas, retratos em preto e branco da ciranda no recreio, da fila de crianças no pátio e das aulas de costura, de música e até de esgrima. Não há sinal de celulares, computadores ou materiais escolares descolados, cheios de cores e de personagens dos desenhos animados. São relatos em imagens que narram o cotidiano escolar de mais de um século atrás.
Arquivo Público do Estado de São Paulo
Escola Normal no bairro da República, centro de São Paulo, em 1908
Um pouco da história do sistema de ensino paulista agora está também na internet. O site temático Memória da Educação, que conta com parte do acervo do Arquivo Público do Estado, foi abastecido com documentos inéditos dos municípios de Campinas, Araraquara, Casa Branca, Guaratinguetá e Santa Cruz do Rio Pardo. São, principalmente, fotografias e relatórios. Ao todo, a página tem 25 mil documentos digitalizados - ou 90 metros lineares.
O Memória da Educação (www.arquivoestado.sp.gov.br/educacao) é a primeira experiência neste formato do arquivo estadual, utilizando diferentes acervos para tratar de um mesmo tema. O documento mais antigo disponível no site é de 1842. Já o mais "recente" data de 1945.
"A ideia é democratizar o acesso à documentação e permitir que o público conheça um pouco do passado, da época em que a educação era um privilégio de poucos", conta Carlos Bacellar, coordenador do arquivo. Segundo ele, a documentação também é fonte de pesquisas acadêmicas e motivo de interesse pessoal de quem quer relembrar o passado.
O site deve ser atualizado periodicamente. Entre as preciosidades encontradas está um ofício de 1858 sobre a dificuldade em achar docentes bem qualificados para lecionar as disciplinas obrigatórias.
Do acervo, 4 mil documentos são imagens e ilustrações. Há também 64 relatórios das Delegacias Regionais de Ensino do Estado, que trazem à tona as questões pedagógicas e administrativas dos períodos - é possível saber, por exemplo, quantos funcionários e quantas matrículas tinham os colégios de cada região.
Há vários casos em que as informações sobre eles são escassas. Um arquivo de 1908, por exemplo, chamado "Album de Photographias Escola Normal e Anexxas de São Paulo - 1908", não reúne somente fotografias do colégio que, mais tarde, transformou-se na ilustre Escola Estadual Caetano de Campos e hoje funciona como sede da Secretaria Estadual de Educação, na Praça da República, centro. Acredita-se que o álbum contenha também figuras de outras escolas, ainda não identificadas.
Detalhes. Mas a história da educação paulista se revela mesmo além dos documentos oficiais: são as páginas de avaliações e trabalhos das crianças que dão o testemunho do aprendizado da época. Com a caligrafia rebuscada, cheia de curvas, a prova de Maria Carolina Marins é um exemplo. Na capa, a seguinte inscrição, com o português da época: "Provas escriptas da alumna do 4.º ano do Grupo Escolar Antonio Padilha em Sorocaba". A data? 3 de dezembro de 1896.
O documento, que termina com o desenho de uma rosa dos ventos colorida, contém as provas de "Physica", "Botanica", "Mineralogia", "Historia do Brasil", "Francez", "Chimica", "Arithmetica", "Geographia", "Geometria Pratica", "Zoologia", "Grammatica", "Musica" e uma redação dedicada a seu pai.
Outra curiosidade é o mapa da antiga escola Joaquim Mariano Lobo, de 1852, que lista 21 alunos. Ao lado dos nomes, as colunas revelam as idades - entre 6 e 10 anos -, os responsáveis, o número de faltas e o que o os alunos sabiam antes de ingressar no colégio, bem como o que conseguiram absorver do conteúdo até aquela data. João Estevão, de 9 anos, por exemplo, só sabia soletrar. Já Francisco Rodrigues, de 8, ingressou sabendo apenas o "ABC" e, em abril, já sabia ler, escrever e multiplicar.
Além da prova de Maria Carolina e do mapa, outros documentos também revelam como, em 170 anos, o sistema público de ensino do Estado se modificou. Os especialistas em história da educação brasileira lembram, para explicar as transformações, que a escola pública nasceu elitizada, com exames de admissão que privilegiavam os filhos de famílias ricas. "Essa escola é um fenômeno do começo da República , que não se preocupava em democratizar o ensino", conta Bruno Bontempi Júnior, professor de História da Educação da Universidade de São Paulo (USP).
As aulas de esgrima, costura e música que estão retratadas nas fotografias são, segundo a professora Leda Rodrigues, da Pós-Graduação em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP, imagens de um tempo em que não existia uma estrutura curricular consolidada e em que a mulher tinha outro papel. "Ela tinha de aprender ofícios ligados à família", afirma.
A própria universalização do ensino provocou mudanças na grade curricular. Conforme a demanda por escola aumentou - especialmente com a classe operária que surgiu com a industrialização paulista, por volta de 1930 - a expansão do ensino público foi forçada a ocorrer. "Mas os investimentos não acompanhavam o processo com a qualidade necessária", explica Bontempi. "Assim, com a expansão do ensino privado, a classe alta migra para o sistema particular."
CRONOLOGIA
Da monarquia à república
A primeira lei
Dom João, que veio com a corte portuguesa para o Brasil em 1808, incentiva a formação de professores e a instrução primária. Em 1827, é instituída a primeira Lei Geral da Educação Pública no Brasil Independente, que regulariza o ensino mútuo obrigatório. Em São Paulo , a primeira lei surge em 1846, regulamentando a educação primária e criando a escola normal masculina.
1860-1900
O ideal republicano
O ideal republicano
Com a Constituição Republicana, em 1890, ocorre a separação entre a Igreja e o Estado, o que promove a educação laica. Em São Paulo , o período é marcado pelas reformas de ensino primário e normal e pela organização de uma rede de escolas normais e complementares. A Escola Normal, de 1846, que se torna a Caetano de Campos mais tarde, é dessa época. Surgem também as escolas profissionais oficiais e os liceus.
Organização do sistema
O crescimento da população e a vinda de imigrantes, efeitos da produção do café e da industrialização, aumentam a demanda por educação. Surge a intenção de erradicar o analfabetismo e expande-se o número de escolas preliminares, noturnas, isoladas (tanto rurais quanto urbanas) e também profissionais. Disciplinas como educação física, intelectual e moral são incentivadas, bem como o escotismo, a música, o rádio e o cinema. Em 1918, o recenseamento mostrou que menos da metade das 480.164 crianças entre 7 e 12 anos frequentavam escolas.
1930-1964
A primeira LDB
A primeira LDB
Em 1932, surge o manifesto em defesa da escola pública obrigatória, leiga e gratuita. Em 1933, a escola normal de São Paulo é elevada a curso superior e vira Instituto de Educação Caetano de Campos. Em 1961, é aprovada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que propõe a equivalência dos ramos do ensino médio – técnico e secundário.
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